quinta-feira, 23 de julho de 2015

Da validação e da genialidade



Depois de muito tempo, finalmente retomo a linha das resenhas. E tem uma motivação especial. Depois de muito garimpo e da ajuda de algumas criaturas especiais, consegui finalmente resgatar um filme que assisti há mais de vinte anos mas que deixou indelével marca no meu entendimento acerca das relações humanas e da necessidade de validação do ser humano dentro de suas relações, sejam amorosas ou familiares.
Trata-se do obscuro (que a meu ver deveria ser um clássico) “Camille Claudel”, obra que retrata a verdadeira saga desta mulher vibrante e absurdamente talentosa que jamais pode ser mais do que uma sombra acerca do gigante ego de Auguste Rodin.
Nascida e criada na região de Champanhe, na minúscula e discretíssima Villeneuve-sur-Fère, Camille, desde sempre foi um ser deslocado e totalmente atípico se comparada às demais meninas nascidas no seu tempo. Dada a uma existência que desde o seu início contradizia o que dizia a cultura vigente no que toca ao que se deve esperar de uma menina, Camille, incentivada por seu eterno validador e guardião, Louis Prosper, assumiu uma conduta que àquela época poderia ser vista quase como herética. Uma menina criada aos moldes masculinos, com liberdades e rotinas absolutamente contrárias ao que se poderia esperar da criação de uma jovem moça, dado o fato que, em seu contexto histórico, deveria ser preparada unicamente para servir o melhor possível ao melhor marido que pudesse arranjar.
Dentro deste quadro de extrema validação por parte do pai, de contrariedade não disfarçada pela mãe, de uma clara influência no desenvolvimento artístico e pessoal de seus irmãos ( o poeta Paul Claudel e a musicista Louise), Camille teve o fomento para permitir florescer o talento criativo que a levou ao ápice da pujança e à derrocada de sua psiche por um processo invalidante posterior que relaciona-se não apenas ao seu trabalho mas à sua vida amorosa.
Ocorre que depois de um período como pupila de Alfred Boucher, Camille é apresentada a Auguste Rodin, um gênio em ascenção cuja sensibilidade artística assemelha-se tão enormemente à da própria Camille, que não apenas os aproxima fazendo-os amantes como gera uma controversa situação que põe em cheque a autenticidade de sua obra que é o embasamento validatório de toda a sua existência.
Desde a mais tenra infância tendo sua psiche alimentada pela validação do pai e, posteriormente do companheiro, Camille segue com galhardia enfrentando seus embates e aprimorando seu talento, com afinco e vigor. No entanto, rompido o romance com Rodin e, por consequência, perdida a principal fonte de validação, Camille decai e, aos poucos, vai encontrando o caminho do desequilíbrio e a degradação de sua psiché.
Mas avaliando o andar da história desta mulher brilhante, me vem a pergunta: Seria a validação uma espécie de drogadição?
Acaso a história de Camille teria outro desfecho se sua história se desenrolasse em outra época?
Respostas exatas nunca teremos mas, vale a observância de outras situações em que a suspensão do processo validatório serve de gatilho para quadros mais complexos dentro de uma perspectiva psicopatológica. Não, não é necessariamente a loucura o caminho de quem perde a fonte de validação. Mas, havendo a conjunção correta de fatores adversos, quase tudo nesta vida pode servir como ponto de partida para a instauração de um processo de patologia psíquica mais ou menos grave, de acordo com a constituição do EU próprio de cada indivíduo.
O fato é que, no caso de Camille, muitos fatores estão sobrepostos... Vejamos:
  1. A perda do filho,
  2. A identidade artística relegada à obscuridade, fazendo dela não mais que sombra do homem que “deveria” ama-la.
  3. A rejeição de Rodin.
  4. A suspeita inaudível mas que não se calava jamais acerca da real autoria de suas obras.
  5. O distanciamento do irmão, Paul, quando este ingressou na vida diplomática.
  6. O repúdio de sua mãe e irmã.
  7. O falecimento de seu pai, não sem antes ter-lhe deixado claro que, apesar do amor que sentia pela filha, a decepção estava lá. Clara, instaurada e quase tangível.
  8. A insegurança da própria Camille, que a levou a uma desnecessária obsessão por provar um talento que era mais do que óbvio.
  9. O medo... ah o medo que esta mulher sentia dia e noite, que lhe fez companhia tão presente quanto as garrafas e os gatos, únicos parceiros dos últimos dias de sua jornada de constante vigília para que não lhe fossem usurpadas suas obras, últimos resquícios de expressão de seus tormentos em tempos de conduta totalmente antisocial e claustro auto infligido.
Enfim, no caso de Camille, existiram varias determinantes a alquebrar seu espírito e arremessá-la em caminho só de ida ao claustro em um manicômio perdido em Villeneuve-lès-Avignon, onde veio a falecer após 30 anos de tormento pessoal e clausura.
Assistindo ao filme que deu início a esta linha de raciocínio, fica claro, alias, claro e límpido, que a relação entre Camille e Rodin era de usurpação e submição. Ele a usurpar o talento e a juventude de Camille, ela a entregar-se sem reservas, primeiramente ao amor desmedido por Rodin, depois ao obssessivo devaneio de uma perseguição que só existia dentro dela mesma.
Óbvio que, como todo clássico, o cenário em que a história se passa é fundamental elemento para que se configure tal desfecho. No entanto, assim como nas resenhas anteriores, sugiro (sonhando ser capaz de instigá-los!!) a reflexão. Quantos destes elementos somos capazes de identificar ao nosso redor ainda hoje? Fato é que exemplos de vidas em que o ser é supervalorizado, legitimado em seu espaço, validado e tudo o mais que poderia ser, e, de uma hora pra outra o contexto muda, acontecem todos os dias. O que muda, de fato, advém da diferente reação de cada um às adversidades e à convergência de eventos mais ou menos marcantes.
A verdade é que, sim... De médico e louco todo mundo traz um pouco... o princípio eventual da natureza patológica está presente na psiché de todo ser humano. O que nos resta perguntar (e eventualmente guardar) é: Quanto da patologia instaurada é fundamentada em eventos externos e quanto da patologia advém da forma como programamos nossos pensamentos e respostas aos mesmos eventos? Quanto da patologia instaurada é inerente à vivência pessoal de cada um e quanto é resposta ao meio em que estamos inseridos?
Por fim, resta-nos o lamento pela vida de Camille desperdiçada no claustro e a pergunta que acaba por me assombrar... Mesmo com trinta anos de claustro manicomial, quanto de vida Camille desfrutou a mais do que nós, pretensamente libertos, a desperdiçarmos nossas chances nos escondendo atras de justificativas que nada mais são que desculpas esfarrafadas forjadas no medo e na falta de crença em nossos próprios talentos e potenciais?
Como de hábito, segue o link do filme...

http://cinemacultdownloads.blogspot.com.br/2013/03/camille-claudel-camille-claudel-1988.html

terça-feira, 21 de julho de 2015

Da drogadição emocional

Há muito tempo não escrevo aqui. Os motivos são vários. Mudanças de trabalho, de casa, de família, de tudo, me levaram a um tempo que não foi exatamente ocioso, mas de reflexão e autoanálise e, por hoje, minha passagem aqui é para dizer das coisas que mudaram e do que ainda precisa mudar. Então... Vamos lá!


O tempo inexoravelmente escoa, como foi no princípio e será até o fim.
E com a passagem do tempo, mais perceptíveis se fazem os danos deixados no rastro febril de uma relação tóxica. Sim. Sou uma sobrevivente. Veterana de uma guerra pessoal, silenciosa e oculta.
O que resta após o término é uma mistura estranha de orgulho, coragem, derrota e medo.
Difícil compreender? Eu explico.
Uma relação tóxica mina espaços antes férteis e deixa rastros de desertificação onde a realidade se mescla ao medo e deixa tudo turvo. O cone de silêncio deste furação é habitado unicamente pelo guerreiro solitário que retorna da guerra contra si mesmo e contra o domínio inimigo. Mas, se ao seu redor tudo jaz em silêncio, dentro dele coabitam sentimentos conflitantes que, por mero respeito à matemática, se anulam e mantém o guerreiro em suspensa animação. É importante ressaltar que, se o orgulho de finalmente ter saído dos portais do inferno está lá, também o sentimento de derrota por ter-se deixado abater mantém-se firme no propósito de anulá-lo. Se a coragem para seguir em frente se apresenta de armas em punho e um farnel repleto de sementes de tempos melhores está em sua bagagem, também o medo deixado pela sensação de deja vú que me assombra a cada sorriso de anuência, a cada gesto de carinho... a cada fala validante... a cada projeto sonhado em conjunto...
Se ontem o inimigo era uma presença tóxica externa, hoje o inimigo é algo que reside em mim mesma. O cone do silêncio nada mais é do que a fortificação das minhas defesas que se organizaram de forma a construir a meu redor um verdadeiro campo de força quase intransponível, que transforma cada feito, cada dito, cada olhar em uma arma pronta a disparar contra um alvo certo prestes a ruir... se você acha que este alvo é meu coração... lamento (mais por mim do que por você) mas está enganado. O alvo em questão é minha sanidade mental, posto que, atingida em cheio por uma relação tóxica assim duradoura e prolífica, passou a duvidar do tudo, do todo, do ar e do mar, de cada simples olhar, de cada gesto de pretenso amor... Que já aprendeu a não confiar mais em coisas que antes eram tão arraigadas a minha natureza e tão fortalecidas em minha autoimagem. Os anos ouvindo das desditas de ser quem sou (o que conscientemente sei ser simples forma de manipulação) me fez aprender a duvidar de minha própria capacidade, de coisas simples que sempre dominei sem dificuldade, refletindo-se hoje em minha vida profissional e pessoal de maneira aparentemente irremediável. Digo aparentemente por saber que minha natureza guerreira não se dispõe a depor armas sem luta contra essa sombra que me acompanha a cada momento, e que sei, será minha eterna oponente neste duelo que há de se encerrar no dia em que cerrar meus olhos.
Para aqueles que estão dentro de uma relação tóxica um alento: É possível sobreviver a tudo isso!
Para aqueles que estão em um relacionamento ou buscam por isso, um alerta: estejam sempre alertas. Jamais deixem de discutir ou expressar o que os fere. Jamais se permitam ser manipulados a ponto de não terem muita certeza do que é você e do que é o que se faz o desejo de outro projetado em quem você é. Por que, quanto mais inseguro, manipulador ou perverso for seu parceiro, menor ele desejará que você seja.
Existe vida após a morte? Bem... isso eu não sei. Mas, para quem viveu as dores de uma relação tóxica, o restante do tempo é vivido como se vivencia o fim de qualquer outra dependência tóxica. Em eterna vigília... Então:
SÓ POR HOJE, não vou me permitir ao sofrimento.
SÓ POR HOJE, não vou permitir que ninguém me reduza a algo menor que eu mesma.
SÓ POR HOJE, não vou permitir que o mal que me foi feito afaste de mim o amor que mereço receber.

SÓ POR HOJE... Serei tão feliz quanto puder ser.


Eu olho pro infinito e você, de óculos escuros 
Eu digo: "Te amo" e você só acredita quando eu juro 
Eu lanço minha alma no espaço, você pisa os pés na terra.
Eu experimento o futuro e você só lamenta não ser o que era 
E o que era ? Era a seta no alvo 
Mas o alvo, na certa não te espera 

Eu grito por liberdade, você deixa a porta se fechar 
Eu quero saber a verdade, e você se preocupa em não se machucar 
Eu corro todos os riscos, você diz que não tem mais vontade 
Eu me ofereço inteiro, e você se satisfaz com metade 

É a meta de uma seta no alvo 
Mas o alvo, na certa não te espera 

Então me diz qual é a graça 
De já saber o fim da estrada 
Quando se parte rumo ao nada ? 

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Dos risíveis amores...

Os humanos tem essa mania sofrível de sofrer por amores risíveis... Por que sofrer? Por que chorar? Se de todas as dores o amor é apenas mais uma a nos amolar?
Difícil compreender que amores sejam feridas dolorosas que sangram por vidas inteiras... Se ao fim ao cabo nada mais simples do que simplesmente calar e ignorar a dor e simplesmente levar como uma unha encravada, ou um siso que rompe... Doer? Dói... Lógico que dói... Mas como todas as dores ela acaba acostumando e depois de certo tempo, quando deixamos de lutar, brigar, espernear e insistir em sofrer, a dor (que continua ali) passa a ser algo que remotamente registramos... Fica sendo aquela unha eternamente encravada que sempre vai perturbar quando usarmos um sapato novo – ou tentarmos amar outro alguém. Ou quem sabe aquele siso que não completa a eclosão e, quando menos esperamos, nos faz morder a gengiva nos proporcionando uma dor lancinante que nos vara o crânio como espada cruzando nossos cérebros e nos paralisando por alguns segundos... Mais ou menos como acontece quando a gente descobre que a mulher que nos deixou finalmente resolveu seguir a sua vida e, do nada surge sorrindo a nossa frente no corredor de um supermercado da vida com o olhar faiscando de gozo antecipado enquanto escolhe o vinho com o qual vai se deleitar usando a pele de sua nova amada como complemento...
A dor de se estar diante desta cena no corredor de um mercado qualquer pode sim ser lancinante, pode nos cruzar o crânio como uma espada incandescente, despertando os sentimentos mais excruciantes de que se tem notícias... mas a verdade, meus caros, é que a dor só dói enquanto focamos nela e, nos cabe desejar ardentemente e pedir aos céus e à terra que, no momento em que tenha que haver o encontro lancinante no corredor de vinhos, sejamos capazes de sorrir, aceitar a sugestão do vinho que irá acompanhar a solidão que nos serve de frígida esposa e, nela, afogar a dor para sermos capazes de, no dia seguinte, tornarmos a esquecer o desconforto do sapato novo ou o ímpeto de nunca mais fazer compras na vida por medo de uma nova espada de flamejante realidade...
Um dia desses alguém me disse que era mais fácil sumir da vida de alguém que enfrentar as consequências dos erros que se comete... eu, particularmente me debati, chorei, esperneei, sofri, lutei... sem sucesso... então, finalmente calei. Calei e me calo. E no silêncio me preparo para garantir que não precise experimentar sapatos novos por muito tempo e que, se precisar fazer compras, que seja capaz de sorrir o sorriso mais falso que uma homeopática dose de irônico senso de humor negro para com minha própria realidade seja capaz de produzir e que se possa juntamente prover uma suave amnésia que me permita esquecer onde guardei aquele formicida comprado no mês anterior para defender meus lírios...
Que venham as unhas encravadas e os sisos não rompidos trocando as dores lancinantes constantes, as finas e corrosivas perspectivas do desespero do SE ela vai ou não ligar pela remota possibilidade de eu ser mesmo muito azarada a ponto de cruzar no mercado com alguém que odeia fazer compras...